Por Sidney Santos
Recentemente, li num livro que um palhaço de circo se revela já por volta dos 3 anos de idade.
A criança, devidamente maquiada e trajada, é praticamente atirada ao picadeiro. Caso não volte chorando, está pronta: é um verdadeiro palhaço circense. Se chorar, é porque não tem jeito para a profissão.
Foi bem assim comigo. Meu pai pintou a minha cara, me vestiu e me empurrou para o picadeiro. Virei o palhaço Leiteninho - escrito assim mesmo, tudo junto. O nome era porque eu era pequeno e também porque adorava esse leite, que comia de colher, direto do pote.
Meu pai fez tudo certo - mas se esqueceu de me falar sobre a opção de chorar para não ter de encarar aquela responsabilidade.
"Vá, filho", disse-me ele. "A partir de agora você é um palhaço, um excelente palhaço. Vá e mostre a todos." E eu, não sabendo que podia desistir, vivi uma grande fase da minha vida, em que até os 13 anos fui uma das estrelas do circo Sul América.
Passado algum tempo, após diversas experiências profissionais, trabalhava, aos 16 anos, como representante de vendas em uma indústria de acessórios para motocicletas chamada Circuit, em São Paulo. Para visitar inúmeros clientes, usava minha linda moto (sem ter habilitação).
Vinte anos atrás, chovia muito na cidade, e foi naquele "belo dia" de chuva que me preparei para visitar um cliente que se localizava a uns 60 quilômetros de distância de onde eu morava.
Acordei cedo, tomei um banho e vesti minha melhor roupa. Coloquei meu macacão de chuva, minhas polainas, minha balaclava, meu capacete, meus óculos e minhas luvas, ensaquei meu mostruário para não molhar, prendi no bagageiro da minha moto CG 125 e me dirigi para o cliente debaixo daquela tremenda tempestade.
Após mais de 1 hora de trânsito intenso, cheguei ao cliente, uma imponente concessionária Honda. Estacionei, retirei o capacete, os óculos, as luvas, a balaclava, o macacão, as polainas. Arrumei meus cabelos (na época eram fartos), limpei o rosto, desensaquei o mostruário. Cansou só de ler? Imagine eu de fazer.
Peguei minha pasta de vendas, me dirigi à simpática garota no balcão de atendimento e disse: "Bom dia, Cláudia, lembra-se de mim? Sou o Sidney, vim te visitar e gostaria de saber se está precisando de algo hoje". Ela, tranquilamente, respondeu: "Hoje não, Sidney. Não quero nada mesmo, obrigada".
Como assim, não quer nada? Justo hoje? Sabe, gente, não tinha Cristo que me fizesse voltar, vestir toda aquela parafernália novamente e ir embora sem ter vendido alguma coisa.
Eu conversei sobre outros assuntos, fui abrindo o mostruário, apresentei as novidades e finalmente vendi.
Eu não tinha opção. Ou, como aconteceu quando estreei no circo, ninguém me falou que eu tinha.
Hoje agradeço a meu pai por isso. O que fazia a minha viagem valer a pena era justamente a dificuldade de ir e voltar - e não a facilidade que normalmente os vendedores buscam.
Alguns (claro que não você, que está lendo este texto), só porque deram um telefonema dizendo "vou passar perto da sua empresa amanhã, pode me receber?", já acham que fizeram um esforço fora do comum.
Nesses casos, quando escutam um "hoje não, obrigado", eles relaxam. Afinal, o esforço talvez não tenha sido tão grande assim.
Logo, o que vos conto é o que aprendi: caso um dia tenha um cliente difícil, daqueles que não lhe dão atenção, ao qual você nem consegue expor seus produtos ou ideias, espere chover e vá de moto.
Sidney Santos é palhaço de circo, vendedor, empreendedor, escritor e palestrante - não necessariamente nessa ordem
Fonte: Revista EXAME 24/04/2009
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